30 setembro 2012

INFLAMA-ME, POENTE: FAZ-ME PERFUME E CHAMA





Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente!
descobre em mim o eterno, o que arde, o que ama,
...e o vento do esquecimento arraste o que é doente!

Juan Ramón Jiménez








27 setembro 2012

ANJO EM TRANSFIGURAÇÃO E MORTE





 
As cerejas em mosai
cos. Aquele era
transparente. Claro por cima das latadas.
Subtil. Tenro. Com figu
ra s antigas. As alego
rias em metamor
fose. Eu bebi o fil

tro de néctar. Ansi
ei. Tive desejo da
morte. Avancei para o fo
go. Esta água ateia-me.
As uvas ardem. Afi
nal o poema age. É
útil. Agitado. Possan
te como as labaredas

que nos tornam nítidos.
A luz delas e a Tua
morte. Tão claras que
desaparecemos. Tão visí
vel o fogo que o poe
ma está dourado. Apren
di antigamente a amar.
Bocas de fogo. Uvas de ouro.

Fiama Hasse Pais Brandão
[14 Polissílabos Sobre Anjos]






26 setembro 2012

PORQUE SE FAZ URGENTE ESCLARECER:



[era suposto eu aprender primeiro a escrever, para só depois começar a publicar aqui palavras minhas, tenciono cumprir, hoje é uma excepção, uma vez sem exemplo e apenas porque aqui todos me lêem...]



... escusando-me a qualquer tipo de comentários e por via de sucessivas e incómodas mensagens que recebo, quero de maneira simples esclarecer publicamente que:

- Não tenho página ativa no Facebook, não gosto (já o disse milhentas vezes)

- Não sei quem são: Liberta, Lena nem Vera (pelos vistos com página no Facebook e há quem jure que sou eu)

- Não tenho nenhum blog em atividade, nem antigo nem novo, para além do Vento, do Porto de Abrigo e do Pianíssima, nem faço a mínima ideia que blogs novos são esses que andam por aí e me acusam de ser meus.

- Esclareço ainda que tenho essas mensagens recebidas escritas e guardadas na memória de um telemóvel;  perceba-se que há largo tempo que não permito anónimos nos blogs, quero com isto dizer que esta cena já vem de longe…[não foi por acaso que Tarde de Música e Mimos de/para os Amigos saiu do ar]

Quando não me reduzo a um silêncio lúcido e corrosivo em situações como esta, que são de uma cobardia a toda a prova, sou por vezes azeda, é verdade, quando as pessoas ultrapassam os limites do bom senso, não sei mudar isso, nem quero, porque penso que como toda a gente também tenho direito à minha indignação e protesto.

Peço desculpa a todos os amigos pelo conteúdo desagradável desta publicação, para mim urgente de fazer-se já que desconheço o conteúdo das ditas páginas; é que as palavras posso lê-las, mas as vozes não se fazem ouvir...

Um abraço imenso a quem me acarinha.
E... um lamento, apenas um lamento aos julgadores inconsequentes.





24 setembro 2012

DEVIAMOS OUVIR...



Torquato da Luz



DEVÍAMOS OUVIR A VOZ DO VENTO
QUANDO SOPRA NAS FRINCHAS DA JANELA
E TENTAR PERCEBER NO SEU LAMENTO
A MENSAGEM COM QUE NOS INTERPELA

de: Torquato da Luz



21 setembro 2012


Tapas os caminhos que vão dar a casa 
Cobres os vidros das janelas 
Recolhes os cães para a cozinha 
Soltas os lobos que saltam as cancelas 

Pões guardas atentos espiando no jardim 
Madrastas nas histórias inventadas 
Anjos do mal voando sem ter fim 
Destróis todas as pistas que nos salvam 

Depois secas a água e deitas fora o pão 
Tiras a esperança 
Rejeitas a matriz 

E quando já só restam os sinais 
Convocas devagar os vendavais

Maria Teresa Horta




19 setembro 2012

A NUVEM SOBRE A PÁGINA





Semelhante à imóvel
transparência
à inesgotável face
à pedra larga onde o olhar repousa
Água sombra e a figura
azul quase um jardim por sob a sombra
a iminência viva aérea
de uma palavra suspensa
na folhagem
Semelhante ao disperso ao ínfimo
chama-se agora aqui o sono da erva
a ligeireza livre
a nuvem sobre a página

António Ramos Rosa
[A Nuvem sobre a Página(1978)]




17 setembro 2012




Ana Razumoskaya


A minha fala de amor
Não tem segredo.

Perguntam-me se quero
A vida ou a morte.
E me perguntam sempre
Coisas duras.

Tive casa e jardim.
E rosas no canteiro.
E nunca perguntei
Ao jardineiro
O porquê do jasmim
- Sua brancura, o cheiro.

Queiram-me assim.
Tenho sorrido apenas.
E o mais certo é sorrir
Quando se tem amor
Dentro do peito. 

Hilda Hilst




15 setembro 2012

NAVEGAÇÕES



ATRAVÉS DO TEU CORAÇÃO PASSOU UM BARCO

QUE NÃO PÁRA DE SEGUIR SEM TI O SEU CAMINHO




Vi as águas, os cabos, vi as ilhas
E o longo baloiçar dos coqueirais
Vi lagunas azuis como safiras
Rápidas aves furtivos animais
Vi prodígios espantos maravilhas
Vi homens nus bailando nos areais
E ouvi o fundo som de suas falas
Que já nenhum de nós entendeu mais
Vi ferros e vi setas e vi lanças
Oiro também à flor das ondas finas
E o diverso fulgor de outros metais
Vi pérolas e conchas e corais
Desertos fontes trémulas campinas
Vi o rosto de Eurydice das neblinas
Vi o frescor das coisas naturais
Só do Preste João não vi sinais.

As ordens que levava não cumpri
E assim contando tudo quanto vi
Não sei se tudo errei ou descobri.

Sophia Mello Breyner






12 setembro 2012

A IMAGEM DA FLOR





Não vou cantar este inverno como se fosse Outono,
Nem a quedas das folhas que inundam os passeios por onde
Passo devagar, como se te levasse ao meu lado, nem
Esse pássaro que aqui ficou por engano, e me traz com
O seu canto o horizonte de rouxinóis que o teu olhar
Me abre, quando o fixo na embriaguez do estio. Talvez
Seja um outro o sentimento que inunda esta doce estação
Em que a melancolia é redonda como a laranja que
Ficou,  por esquecimento, num canto da mesa: refiro-me
A essa saudade que amadurece quando a primavera
Está longe, ainda, e me cai nas mãos quando a corto
Do ramo que o teu desejo alimenta. Embalo-a, como
Se fosse um recém-nascido, e pouso-a na terra húmida
Onde a manhã já desfaz uma névoa de solidão.

Nem vou esvaziar a noite do seu peso de música,
Dos momentos em que a tua voz a enche com o seu
Murmúrio de palavras, do luminoso eco de uma
Sombra que se desfaz quando o teu corpo se liberta
Do espelho da memória. Abraço essa noite com o seu
Vazio e a sua treva, e tiro de dentro dela a imagem
Da flor que me deste, com o seu centro entreaberto,
E um pólen de frases em que principia a manhã
Do mundo, branca e imensa, onde me esperas com
A surpresa da vida. Hoje, vestir-te-ia da cor do mar,
Rodear-te-ia o corpo com um ouro de maré, e
Enrolar-te-ia nos cabelos um fio de vento litoral,
Como se fosses o porto e a viagem, ao mesmo tempo,
A água e a terra em que flutuo e renasço.

E vejo-te, nesta linha de luz em que se liberta
Uma intimidade de respiração, com a realidade do teu rosto,
O desenho de pétala do verso que te envolve, e
O breve gesto da despedida em que o amor se demora.

Nuno Júdice
 

 
 



07 setembro 2012






Ouve que estranhos pássaros de noite 

Tenho defronte da janela: 
Pássaros de gritos sobreagudos e selvagens 
O peito cor de aurora, o bico roxo, 
Falam-se de noite, trazem 
Dos abismos da noite lenta e quieta 
Palavras estridentes e cruéis. 
Cravam no luar as suas garras 
E a respiração do terror desce 
Das suas asas pesadas. 

Sophia de Mello Breyner Andresen





01 setembro 2012

AS MÃOS DADAS


Um dia me falaste
e as árvores morriam galho a galho seco.
Havia flores, recordo.
Havia ruas, aí também recordo.
e escadas
vazias.

Não me falaste, não.
Fui eu quem perguntou,
beijando-te tremente, quantos anos tinhas,
e o teu nome.

Não tinhas nome; ou tinhas mas não teu.
E a tua idade, as tuas mãos nas minhas

Jorge de Sena