16 julho 2013

 
 
A MULHER
 
[...]
sob a melhor luz, o seu melhor lado.
a despir-se de vestidos feitos de tudo
e à mão, feitos por ela. carmim
e amarelo torrado: as cores que prefere,
salpicadas de brilhos imensos e enormes
cornucópias. em volta do pescoço,
pequenas contas de ambar e dois
guizos num dos tornozelos. um toque
de coqueteria, um outro de embaraço.
 
quero uma mulhar assim, de silêncios
venenosos, que me morda o tendão
do ombro e a língua, e abuse
de declarações de guerra e paz,
 vá para o inferno e regresse
no meio de um mar de boatos,
e me arraste em jogos de malícia,
me esconda o coração e me deixe
doido dias inteiros atrás de pistas
e coordenadas.
 
não quero uma mulher explicada,
prefiro o assombro. antes aturar
mistérios, teimas, transes e jejuns,
mesmo às vezes a troça e o desprezo,
e que quando se sinta enfastiada
fuja sem aviso ou se feche parindo
a escuridão.
 
que me adore e se farte, me empurre
do alto das escadas, e se ria perdidamente
ou chore e me asfixie devagarinho
com os primeiros cabelos que lhe
nasçam brancos. quero até esse dia
em que se chegará tristemente
para pedir-me a mão logo depois
que o seu rosto se retire para sempre
de todos os espelhos.
 
no fim, nem me importa
que nunca venha a cruzar-se comigo,
que isto eventualmente ainda seja eu
a roubar acessórios em lojas
de senhora. pelo menos não será
uma coisa que se explique nem alguém
que tenha a descortesia de dizer por aí
que chegámos a um entendimento.
 
 
de: Diogo Vaz Pinto
in: RESUMO a poesia em 2011
[antologia - Documenta - FNAC]
 
 
 
 
 
 
 
 

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