25 março 2014

EU CANTO A CHUVA, A TERRA, O VERME





toda a chuva a cair me torna grata
por ela e pela que tem caído sobre mim
nos anos sem tacto, sem vista, sem olfacto.
aqui bebo-a misturada com os resíduos
que o vento trás do fundo do pomar,
gravetos, folhas e flores perdidas.
o cheiro de uma flor de laranjeira perfumou
esta água, para a ablução dos pés
de um poeta que antes fora nómada.
depois, porque não hei-de vestir-me com a túnica
da chuva, que me envolva como árvores
ou um corpo humano vivo e natural?
dormir, onde esta lama doce e insonora
calidamente me vista e me sepulte?
verme, que constróis o altar da chuva
com os teus pequenos montículos e covas
e sob o córtex da nogueira velha
escondeste a tua vida, como oferenda
que vai ser recolhida pelas mãos
de uma criança que ame os dons naturais;
verme, que sabes que eu outrora
já fui muda, não-gerada e ausente,
mostra-me o que mais sabes da chuva,
como és sinuoso nela, vivente,
e eu que devo fazer na pura terra
contigo, lado a lado, ó laborioso?

de: Fiama Hasse Pais  Brandão [25/5/1994]
in: ÂMAGO antologia







1 comentário:

  1. Olá amiga! Passando para agradecer a tua visita e gentil comentário, assim como dizer que fiquei feliz por teres gostado do poema postado no nosso humilde espaço.

    Aqui, mais uma vez, fui recepcionado com um belo e profundo poema, fruto das tuas acertadas escolhas.

    Beijos e muita paz para ti e para os teus.

    Furtado.

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