28 setembro 2014

PEDIA-ME QUE EU ABRISSE UM LIVRO





Pedia-me que eu abrisse um livro
e procurasse o centro da casa
que lhe dissesse a palavra correspondente a mesa
mas também o som das loiças
os tapetes colados no chão
queria tocar a palavra que sentisse verdadeiramente a tristeza
e o seu coração móvel como uma vasilha de barro
por onde os meus lábios sugam todo o seu entendimento.

Eu lia-lhe as palavras mais limpas
não fosse a sua alma destruir-se contra a minha voz
e o olhar dela buscava a identificação de alguma coisa falsa
talvez a minha habilidade em poupar o seu sofrimento.

É uma doença a leitura que eu faço da casa
e dos dias na sua presença
tudo o que ela escuta é a perfeição da sua ignorância
nada é para destruir nas imagens que lhe apresento
a casa será sempre o centro do livro
e os lugares de dor algumas páginas emocionalmente vazias.

de: Fernando Esteves Pinto
em: Área Afectada

[Temas Originais, Ldª. 2010]





23 setembro 2014

QUE COR Ó TELHADOS DE MISÉRIA





*ANTÓNIO RAMOS ROSA*
(17 Outubro 1924 † 23 Setembro 2013)


que cor ó telhados de miséria
onde nasci 
de tanta pequenez de tão humildes ovos 
de nenhum querer 
a que horas nasceram as estrelas que 
um dia foram 
a que horas nasci? 

Não vim embarcado não me encontrei 
na rua 
não nos vimos 
não nos beijamos 
nunca parti 

Não sei que idade tenho 

Quando havia antes um antigamente 
havia uma esperança 
agora no próprio coração da ilusão 
onde a água limpa as pedras das ruínas 
entre destroços límpidos 
deito-me sobre a minha sombra e durmo 
e durmo 

Quando havia antes um amanhecer 
à beira do abismo 
agora no próprio coração do coração 
durmo estrangulando um monstro inerme 
um palhaço de palha seca e pálido 
quando havia antes um caminho 

Não houve nunca amigos nem, pureza 
Nem carinhos de mãe salvam a noite 
É preciso ir mais longe na incerteza 
É preciso no silêncio não escutar 

A manhã que eu procuro não foi sonhada 
Uma árvore me ignora na raiz 
Perfeitamente desesperado é o meu sonho 
Os pássaros insultam-me na cama 
Só com doidos com doidos amaria 
perfeitamente presente na frescura 
do mar 

Uma casa para eu ter a humildade de ser espaço 
a líquida frescura duma jarra 
um passo leve e certo em cada sombra 
um ninho em cada ouvido 
de doces abelhas cegas 

Uma casa uma caixa de música e sossego 
Um violão adormecido na doçura 
Um mar longínquo à volta atrás do campo 
Uma inundação de verdura e espessa paz 
Uma repetida e vasta constelação de grilos 
e os galos álacres do silêncio 

Um mar de espuma e alegria obscura 
um mar de espuma e alegria clara 
entre o verde e a brisa 

Na brancura dos quartos 
a inocência poderá sonhar desnuda 
os insetos poderão entrar 
juntamente com as plantas e as aves 
Uma longa asa passará 
O mundo e o silêncio a mesma ave 
e o mar 
o mudo leão longínquo e fresco 
faiscará entre o ver e as lâminas solares


*
MÚSICA PARA RAMOS ROSA:
F. CHOPIN, Vladimir Ashkenazy, 
Étude No.24 in C minor, Op. 25 No.12




18 setembro 2014

ENTARDECER





O cinza-prata do amanhecer misturava-se nos tons lilás das árvores da avenida ainda silenciosa e conferindo-lhe um certo ar de misteriosa melancolia, gémea deste sentir instalado no meu peito.

Doce serenidade que desde cedo aprendi a roubar da natureza, o único alimento perfeito desta minha ânsia de paz e harmonia. E no raiar desta madrugada, acode-me a imensa vontade de um enorme saber!...

… O sonho, companheiro fiel de todos os segundos da minha vida real, aquela que vivo de olhos acordados, transporta-me ao encantador cenário do entardecer, quando preguiçoso e sensual o Sol me convida a repousar com ele no leito vermelho e dourado, lá longe, no horizonte!...

Queria tanto saber dizer deste meu entardecer, de como o sinto dentro de mim, igual ao encanto brilhante do declinar do dia!... De como pode ser doce e sereno o encontro no nosso escondido EU com o acordar da madrugada!... Queria sim, mas não sei!... Dizer dos sonhos em que me recosto e também vivo, largados escondidos nas nervuras das nuvens, e de como me lavam a alma quando de tão gordas explodem em gotículas de chuva fresca e reparadora!...

São os sonhos também verdades de mim, que eu escrevo nas folhas verdes da vida, que afago com os dedos nas letras que escrevo, os olhos que procuram outros olhos, os lábios que sopram segredos, o sangue que pulsa de desejos, a alma onde escondo o poema que me és!...

Mas… saber entardecer feliz é o exercício mais difícil da Escola da Vida, não se estuda nos livros, é uma sabedoria que se adquire dentro da alma, é uma lição a praticar na caminhada difícil do viver! O entardecer de alguns só se torna difícil pela dificuldade que os outros têm de o entender como parte integrante da vida, de o aceitar como um processo natural e belo do Universo, perceber que a vida é muito curta e pode ser muito bonita, nas suas coisas pequenas e simples, que é feita de muitos dias, e cada um deles tem que ser vivido no presente, até ao último!...

Não será fácil entardecer feliz, 
enquanto os idosos comuns não forem considerados idosos,
simplesmente isso:
IDOSOS...!



07-06-2009
Maria Santos Ferreira







07 setembro 2014

"A ESSÊNCIA DO HOMEM É A SUA ALMA"




imagem da web


Sócrates (469-399 a.C.), filho de um escultor e de uma parteira, herdou as artes do pai e da mãe, tornado-se um escultor de almas e parteiro de idéias. Seu processo de pensamento filosófico consistia em fazer com que seus interlocutores buscassem, através do raciocínio e da aceitação de sua ignorância diante do assunto, suas próprias verdades, sem considerar os costumes e dogmas impostos.

A esse processo deu o nome de Maiêutica (do grego – arte de trazer à luz), fazendo com que as pessoas com quem tinha contato, elaborassem suas próprias idéias e conceitos, trazendo-lhes, segundo Sócrates, a liberdade e a noção do que é realmente necessário à vida do homem, a sabedoria.

Diferentemente dos Sofistas, que utilizavam a retórica como arte de influenciar e, assim, tirar proveito para si, Sócrates usava seu conhecimento e reflexão para elevar a alma humana (a essência do ser) ao nível das coisas supremas. Para ele, o ideal de busca do homem deveria ser o bem, o justo, o amor e o belo e via na ética e na moral, as bases para se alcançar essa elevação.

A famosa frase “conhece-te a ti mesmo”, demonstra a clara opção de Sócrates pelo ser humano e suas peculiaridades. Para ele, as pessoas deveriam ter liberdade total de pensamentos e idéias, e a justiça deveria estar presente em todos os atos humanos.

Considerando a justiça e a moral como que direcionando os atos humanos, pode-se inferir que, caso aja assim, o homem não terá o livre arbítrio, pois suas decisões seriam comandadas por essas duas regras. Nessa concepção de comportamento, todo ato que fugisse à justiça ou à moral, seriam condenáveis.

A profunda concepção de liberdade e pensamento fazia com que Sócrates questionasse tudo, das leis humanas aos deuses, dos dogmas aos costumes e isso lhe trouxe a reputação de corruptor da juventude ateniense, pelo fato de fazer com que os jovens refletissem mais sobre a vida e os valores tidos como certos.

Tal comportamento era inaceitável para a aristocracia da época e Sócrates foi julgado e condenado pelo tribunal ateniense. Mesmo diante do tribunal e da certeza de sua condenação, Sócrates manteve a postura de quem não teme nada, consciente de sua própria consciência, de que nada fez que merecesse a condenação.

No relato de seu maior discípulo e biógrafo, Platão, Sócrates assim de defende:

“Ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um pouco mais sábio que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei”.

Essa declaração demonstra claramente a idéia de Sócrates de que, todo homem deve estar ciente de sua ignorância, para se manter de mente aberta a novos conhecimentos. Se acreditarmos que sabemos tudo, não aceitaremos opiniões e idéias novas e, portanto, ficaremos estagnados em nosso pseudoconhecimento.

A força dos discursos de Sócrates e sua presença imponente são tão nítidas que as palavras ficaram marcadas em seus discípulos. Com ele aprenderam o valor da filosofia, da amizade, do caráter e da verdade e a valorizar a essência das coisas, deixando de lado as banalidades como poder, reputação e riqueza, desenvolvendo uma postura de reflexão e liberdade de pensamentos, que busca o bem e dá acesso a felicidade e a sabedoria.

de: Geraldo Magela Machado
in:  www.infoescola.com/filosofia/socrates-e-o-direito-de-pensar/






05 setembro 2014

A MÃE QUE CHOVIA



Juntos, trocavam tardes de domingo, descanso, 
beijinhos e coisas mornas de mãe e filho.

Enchiam a barriga de brincadeiragem.
Ele fazia corridas com a mãe,
... brincava às escondidas com ela
e a um jogo secreto que se chamava
"Não tens nada a ver com isso".
[pág.10 e 11]




[...]
Mãe, choves o significado do teu nome sobre a terra,
choves amor que faz nascer plantas-bebés, sorrisos
verdes, que faz crescer saladas e sopas. Mãe, sem ti
não existia a palavra "verdejante". Há tantas palavras
que não existiam sem ti. Mãe, choves palavras sobre o
mundo. As palavras que lanças devagar sobre os campos
enchem os rios e as barragens, dirigem-se ao mar.
Em casa, as pessoas abrem torneiras para encher os copos
com as palavras que choves. É assim que o teu amor
se espalha pelo mundo e, quase sem se notar, o inunda.
Porque tudo aquilo que fazes crescer faz crescer também,
dás vida que dá vida. A mim que sou teu filho, teu filho, 
deste-me toda a vida que tenho e dás-me sempre o teu amor
mais brilhante. Mesmo quando estou onde não podes estar,
mesmo quando estás onde não posso estar, sabemos bem
o tamanho desta certeza que nos une. Eu tenho a certeza
de ti, tu tens a certeza de mim. Amor, essa palavra. Mãe,
choves essa palavra dentro de mim. 
[...]
[pág.59]

de: José Luís Peixoto